2008/07/04

O Ano Paulino

D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro

Esta semana, tenho a alegria de falar sobre o Ano Paulino, uma iniciativa do nosso querido Papa Bento XVI, certamente inspirada por Deus e pelo próprio Apóstolo Paulo. Desde o domingo passado, já estamos recebendo as bênçãos deste tempo privilegiado, que se prolongarão até o dia 29 de junho de 2009.

Experimento a emoção de encontrar-me em Roma, para a abertura oficial deste acontecimento ímpar na história da Igreja, e na própria história desta cidade, que tem tanto a ver com os nossos dois Apóstolos. As cerimônias se iniciaram no dia 28 de junho, às 5 e meia da tarde, com as solenes Vésperas da celebração de São Pedro e São Paulo, presididas pelo Papa, na "Basílica de São Paulo fora dos muros".

Assim, Bento XVI marcou o impulso inicial de muitas outras iniciativas, que terão lugar pelo mundo a fora, fazendo brotar novos frutos para a evangelização. O Ano Paulino conclama a Igreja a seguir as pegadas daquele que foi o maior de todos os evangelizadores, depois de Cristo. É evidente que não se pode comparar Jesus Cristo e São Paulo, dado que Aquele é a Verdade eterna, que fala no tempo, enquanto este é alguém do tempo, que fala para a eternidade.

Neste seguimento de Cristo, pelas pegadas de São Paulo, o que o Papa espera das Igrejas particulares, ou seja, das Dioceses no mundo, das Paróquias, do clero, dos consagrados, dos leigos, enfim, de todo o povo fiel? É isto que tentarei delinear, brevemente.

O primeiro ponto referencial é um conhecimento mais aprofundado sobre Paulo de Tarso, a começar pelos detalhes de sua vida e um pouco, pelo menos, de sua história e de sua formação. Apesar da escassez de informações a respeito, existem boas biografias sobre ele.

Uma das mais célebres, verdadeiro monumento de pesquisa do autor, que trabalhou nessa obra por 30 anos e ao longo de 700 páginas, é o livro de Joseph Holzner. Estava esgotado, aqui no Brasil, mas a Editora Quadrante está providenciando sua reedição, para que possamos usufruir dele, durante o Ano Paulino. Outras obras de muito valor são as do Padre italiano Rinaldo Fabris, profundo estudioso da Sagrada Escritura e de São Paulo, e a de Santos Benetti, na qual o próprio São Paulo traça sua biografia. Esta, infelizmente, também se encontra esgotada.

Outro ponto de interesse é a rica mensagem do Apóstolo: em primeiro lugar, sua atuação e sua pregação, registradas nos Atos dos Apóstolos e inseridas na história dos primórdios da Igreja, conforme nos relata São Lucas, naquele Livro, escrito em belíssimo grego.

Haveremos, também, de aprofundar o conhecimento sobre a mensagem de Paulo. O conteúdo de sua doutrina encontra-se compendiado nas 13 Cartas das quais sempre ouvimos falar, mas cujo histórico e conteúdo nem sempre estudamos. Elas nos oferecem uma síntese teológica, que nada mais é do que o próprio ensinamento de Jesus, que foi comunicado a Paulo em graça particular, e durante o aprofundado estudo que desenvolveu.

A seguir, esboço, em breves linhas, um pouco da grande beleza desse conteúdo. Paulo nos apresenta, em primeiro lugar, o Mistério de Cristo: "Coube-me a graça de anunciar entre os pagãos a incalculável riqueza de Cristo, e a todos manifestar o desígnio salvador de Deus, mistério oculto desde a eternidade em Deus, que tudo criou" (Ef 3,8-9).

Esse Mistério tem um ponto alto, um ponto de chegada - a Cruz, cuja sabedoria impregna a própria palavra do Apóstolo: "Cristo me enviou para pregar o Evangelho; e isso sem recorrer à habilidade da arte oratória, para que não se desvirtue a cruz de Cristo. A linguagem da cruz é loucura para os que se perdem, mas, para os que foram salvos, para nós, é uma força divina" (1Cor 1,17-18).

A "loucura da cruz" culmina no episódio da Ressurreição, fonte de vida nova para os que crêem em Cristo. É um tema que o Apóstolo toca com especial emoção, pois foi um momento crítico durante sua pregação, quando esteve com os filósofos, em Atenas: "Quando ouviram falar de ressurreição dos mortos, uns zombavam e outros diziam: "A respeito disso te ouviremos outra vez"" (At 17,32).

Voltando à Primeira Carta aos Coríntios, encontramos a réplica de Paulo: "Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria; mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos" (1Cor 1,22-23). E ainda: "Se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos pecados. Se é só para esta vida que temos colocado a nossa esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de lástima" (1Cor 15,17.19).

Outro tema, que Paulo nos apresenta, de maneira formidável, é o sentido da nossa fé. Não uma fé desvinculada da própria vida cristã, ou da virtude, mas uma fé que opera pela caridade. Falar sobre estas duas virtudes, é tocar no tema fundamental das pregações de Paulo, assim como do próprio Mistério de Cristo.

Transcrevo, a seguir, alguns trechos do Hino da Caridade, que resume o que há de mais sublime na Teologia paulina: "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada" (1Cor 13,1-2).

E Paulo prossegue na enumeração de grandes gestos heróicos, como a distribuição de todos bens e a flagelação do próprio corpo, tudo suplantado pela prática da caridade. Na consumação dos tempos, esta será a única virtude necessária, portanto aquela que permanecerá: "A caridade jamais passará. Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade" (1Cor 13,8.13).

A fé passa porque, quando estivermos diante de Deus, já contemplaremos a evidência. A esperança também se extinguirá, uma vez que tenhamos recebido o que ela almeja. Só a caridade, que brota do próprio Coração divino, será o maravilhoso elo a nos unir a Ele, e a todos os Santos e Santas, que nos precederam na vida, formando nossa bem-aventurada comunhão pelos séculos eternos.

Este é apenas um pequeno resumo de tudo o que o Ano Paulino nos convida a meditar e viver. Acolhamos, com os corações abertos, esta inestimável graça que Cristo nos oferece, através de sua Igreja, nossa Mãe e Mestra.